TJSE reconhece erro de tipo, reforma decisão e absolve condenado por “estupro de vulnerável”

Em decisão unânime da Câmara Criminal TJ/SE (Relatoria do Desembargador Gilson Félix) foi reformada decisão, reconhecido ERRO DE TIPO e absolvido réu que havia sido condenado no delito de Estupro de Vulnerável com concurso material (Art. 217-A e Art. 69 do CP).

Vamos aos fatos:

Pessoa, condenada como incurso nas sanções penais do artigo 217-A, c/c artigo 69, ambos do Código Penal, a uma pena de 16 (dezesseis) anos, de reclusão, em regime inicial FECHADO, interpôs APELAÇÃO CRIMINAL, visando a sua absolvição.

Após conhecido o reconhecido o recurso o Relator fez um profundo estudo sobre o ERRO de TIPO:

(…) Não se olvide que o tipo penal imputado ao réu, não permite maiores dilações acerca do consentimento ou não da vítima, sendo a seguinte disposição:

 

“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

A infração penal acima descrita visa proteger a dignidade sexual do menor de catorze anos, considerado, portanto, vulnerável em razão de sua pouca idade. A vulnerabilidade neste crime é presumidamente absoluta, optando o legislador por esse tipo de presunção por entender que os sujeitos com 14 (catorze) anos incompletos não possuem discernimento necessário para manterem ou mesmo aquiescerem às relações sexuais.

Na realidade, com as alterações trazidas pela Lei 12.015/2009, o estatuto repressivo penal abandonou o conceito de presunção de violência (utilizado no revogado artigo 224), passando a fixar o parâmetro objetivo da idade de 14 (catorze) anos, como limitação ao livre e pleno discernimento para início da vida sexual.

Assim sendo, de acordo com o que se extrai do texto frio da lei, estando a vítima enquadrada na referida faixa etária (menor de 14 anos), presume-se não reunir condições intelectivas para gerir seu comportamento.

Como cediço, em se tratando de crime de estupro de vulnerável, o direito utiliza, em verdade, dos conhecimentos científicos para assentar que o adolescente está à míngua de cognoscibilidade ou de capacidade cognoscível para anuir com o ato em questão e, por tal razão, a sua concordância é absolutamente inútil na consideração da tipicidade formal.

Mesmo diante do teor do dispositivo acima, a defesa pugna pela absolvição do réu, sustentando a atipicidade da conduta, haja vista o consentimento da vítima com a prática do ato sexual, e porque a vítima não trazia em si a presunção de vulnerabilidade estampada no ordenamento jurídico.

Portanto, o cerne da questão diz respeito à discussão acerca da tipicidade da conduta praticada pelo réu, já que este manteve relação sexual com menor que, de acordo com a Defesa, não aparentava a idade de 13 (treze) anos, além de afirmar o réu o desconhecimento da idade da vítima.

Dúvidas não há acerca do entendimento dos Tribunais Superiores quanto à vulnerabilidade absoluta do menor de 14 (quatorze), diante da literalidade do disposto no artigo 217-A, do Código Penal, e em conformidade com o entendimento da Sumula nº 593, do Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, em que pese o rigor da lei, casos há em que a própria legislação, corroborada pela jurisprudência pátria, permitem a exclusão do dolo, punindo o crime apenas a título de culpa, se houver previsão legal, como ocorre no chamado erro sobre o elemento constitutivo de tipo legal, trata-se, portanto do chamado erro de tipo.

O erro de tipo, com previsão no artigo 20, do Código Penal, cuja redação afirma que “o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”, configura-se quando o equívoco recai sobre situação fática prevista como elemento constitutivo do tipo penal, ou seja, ocorre quando o agente tem uma falsa percepção da realidade, enganando-se quanto a uma elementar ou circunstância do tipo penal, excluindo, por conseguinte, o dolo.

Acerca da matéria, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou ser possível falar em erro de tipo em estupro de vulnerável, tendo em conta que a idade da vítima é elemento constitutivo do crime de estupro de vulnerável, e cujo caso concreto, a vítima, inicialmente, afirmou ter 15 (quinze) anos de idade.

 

Segue, ainda, a decisão do magistrado:

(…) O réu negou o conhecimento acerca da idade da vítima, e em sua defesa alegou que a mesma aparentava possuir 15 (quinze) anos de idade, e corroborando com a sua alegação, juntou fotografias que demonstram a vida social da vítima.

De fato, das fotografias acostadas aos autos, bem como do depoimento prestado pela vítima, percebe-se que esta aparenta ter idade superior aos 13 (treze) anos, inclusive porque é vista nas fotografias frequentando festas e bares, onde se avista o consumo de bebidas alcóolicas.

Assim, a par do entendimento da Corte Superior, o caso posto nos autos pode implicar numa relativização do conceito de vulnerabilidade, pois a hipótese dos autos, revela o livre consentimento da vítima, e que esta possuía condições de mensurar as consequências do ato e de entendê-lo.

Importante registrar que a vítima possui compleição física não condizente com a idade de 13 (treze) anos, e facilmente poderia se  passar por uma pessoa com idade maior do que a do registro de nascimento, inclusive, portando-se como se maior fosse, já que aparece em festas desacompanhada de seus genitores, e em mesa de bar em que há consumo de bebida alcóolica.

A genitora da vítima, em seu depoimento, narrou que a filha lhe informou que estaria conhecendo uma pessoa, e que posteriormente apresentaria para a família, ressaltando ainda a genitora que seria a primeira vez que a sua filha estaria em um relacionamento.

Depreende-se do relato da genitora não haver surpresa quanto ao fato de a ofendida estar iniciando um relacionamento, muito embora, na época, a menor contasse com 13 (treze) anos de idade, sendo importante registrar que a vítima possuía celular, e que foi através deste aparelho que teria iniciado conversa com o acusado para marcar encontro.

Não há informação nos autos de que houvesse um controle acerca da utilização do aparelho celular da menor, e diga-se que, perante o Conselho Tutelar a menor relatou que nas duas relações sexuais mantidas com o réu, fez uso de preservativo, fato este indicativo de que a menor não se mostrava alheia aos assuntos alusivos ao sexo.

Ou seja, em análise do primeiro ato sexual ocorrido entre o réu e a vítima menor de 14 (quatorze) anos, é possível concluir pela ocorrência do erro justificável a respeito da idade da ofendida, mormente quando o acervo probatório demonstra que, para o primeiro ato, o réu não tinha ciência da idade da vítima, e diante das suas características físicas que denotam uma estrutura corporal condizente com a de uma adolescente com idade superior aos 14 (quatorze) anos.

Afirme-se ser a idade da vítima elemento constitutivo do crime de estupro de vulnerável, e em relação ao primeiro ato sexual, de acordo com o acervo probatório colhido aos autos, é possível concluir que o réu, em verdade, não tinha conhecimento da idade da vítima, o que leva a excluir o dolo, mormente quando a situação se apresentava como uma falsa representação da realidade.

Desse modo, entendo que para o primeiro ato sexual, afasta-se o dolo, não havendo que se falar em crime, já que o estupro de vulnerável não se pune a título de culpa, e verificando que o réu incorreu em erro sobre a idade da vítima, a incidir o artigo 20, do Código Penal, deve ser reformada a sentença para afastar a condenação.

No que se refere a segunda relação sexual, disse a vítima que o réu estava já ciente sobre a sua idade, por seu turno, o réu negou o conhecimento, inclusive, ressaltou em seu depoimento que apenas soube que a vítima tinha 13 (treze) anos de idade quando houve a denúncia no Conselho Tutelar.

Como é cediço, o Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, é a última opção pela qual se vale o Estado para regulamentar os comportamentos sociais, e para o Direito Penal interessa agir sobre as condutas consideradas mais gravosas dentro de uma sociedade.

Surge então a necessidade conceituar o crime, que de acordo com Fernando Capez ‘o crime é considerado toda ação ou omissão que venha ferir um bem jurídico protegido por lei’, buscando assim os doutrinadores a conceituação do crime sob o ponto de vista dos bens protegidos pela lei penal, entendendo que o delito nada mais seria do que a violação de um bem penalmente protegido, na visão de Damásio de Jesus.

Necessária esta introdução, porque como anteriormente falado, tratamos aqui de fato extremamente delicado, pois se de um lado impõe-se atuar de forma rígida para punir aquele que infringe o artigo 217-A do Código Penal, o qual tutela a dignidade sexual de pessoas consideradas vulneráveis, ou seja, aquelas que não possuem completo discernimento, e no presente caso, um menor de 14 (quatorze) anos. Por outro lado não podemos deixar de ressaltar o extremo rigor com que a lei, e a própria jurisprudência pátria tratou o infrator e generalizou para toda e qualquer situação, porque assente na premissa da vulnerabilidade presumida e absoluta, dificultando até a aplicação do erro de tipo para dadas situações.

No caso em comento, não se tem dúvida quanto a vítima demonstrar um desenvolvimento físico e intelectual mais avançado para a idade de 13 (treze) anos, apresentando um amadurecimento precoce, e aqui me permito divagar se o amadurecimento era precoce, ou se a própria legislação ao estipular o limite etário para definição do crime de estupro de vulnerável não estaria se distanciando, nos dias atuais, da evolução dos costumes da sociedade.

Digo isso porque, há nos autos fotografias da vítima, nas quais participa de festas, com consumo de álcool, e que os jovens vão não apenas pela diversão em si, mas para interagir com os amigos, iniciar paqueras e namoros, comportamentos próprios dos adolescentes e jovens que buscam esse tipo de diversão.

Destaque-se que, o crime de estupro de vulnerável se configura não apenas com a conjunção carnal, mas, também, com a prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos de idade, sem o consentimento deste.

Cabe neste cenário, trazer um questionamento acerca da justiça buscada com a regra legal aqui em comento, que aponta para situações extremamente distoantes ao abordar as condutas inerentes ao tipo penal.

Neste pensar, trago a seguinte situação: digamos que uma menor de 14 (quatorze) anos, vá para uma ‘balada’, e lá chegando encontre um rapaz, e começam a conversar, dançam e durante essa dança, beijam-se. Ocorre que, nesta festa tinha um Conselheiro Tutelar que sabedor da idade da menor, informa a Autoridade Policial acerca do fato, que instaura o devido inquérito, após concluído é remetido à Justiça, seguindo-se o seu trâmite legal. Ao fim, o Juiz Sentenciante condena o réu pelo crime de estupro de vulnerável, por ter beijado, com consentimento, uma menor de 14 (quatorze) anos, estipulando uma sanção de, digamos, 08 (oito) anos de reclusão, pois, de acordo com o artigo 271-A, do Código Penal, a pena para esse delito varia de 08 (oito) anos a 15 (quinze) anos de reclusão.

Agora trago outra situação hipotética: Uma menor de 14 (quatorze) anos encontra-se em uma ‘balada’, e vê um indivíduo fornecendo drogas, em especial cocaína. A menor se dirige a esse ‘fornecedor’ e compra um papelote de cocaína, ocasião em que o indivíduo é flagrado, preso e após passar por todo o trâmite processual, a condenação poderá recair nas sanções do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, cuja pena varia de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos, ou melhor, poderá ser enquadrado nas sanções do artigo 33, §4º, da Lei de Drogas, que prevê a redução de pena de um sexto a dois terços.

Ou seja, para o tipo penal de estupro de vulnerável, cujo consequência para a hipótese aqui trazida não se pode dizer perniciosa, já que não houve violência física ou psicológica empregada contra à vítima, por se tratar de um beijo permitido pela própria ofendida, mas que por contar com a idade de 13 (treze) anos, a violência é presumida pela vulnerabilidade, implicaria em uma pena de 08 (oito) anos de reclusão, enquanto para a segunda hipótese, venda da droga para menor de 14 (quatorze) anos, cuja consequência se mostra catastrófica, não apenas em relação à própria menor, mas, também, com reflexos para toda família e sociedade,  no entanto, neste caso, o indivíduo poderá ter contra si uma pena de somente 01 (um) ano e 08 (oito) meses, permitindo até mesmo a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito.

Registro que o tema não tem passado despercebido pela Corte Superior, pois em julgamento do HC 721.869/SP, o relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro entendeu haver constrangimento na pena imposta a um réu acusado de estupro de vulnerável, em razão da prática de ato libidinoso contra menor de 14 (quatorze) anos. O Ministro Saldanha Palheiros levantou a discussão acerca da conduta reprovável de se envolver com pessoa jovem, sem checar a idade, questionando se um beijo na boca seria um ato constitutivo do tipo penal pretendido pelo artigo 217-A, do Código Penal, concluindo pelo exagero da pena imposta ao crime de estupro de vulnerável – que varia de 08 a 15 anos – e alerta sobre a ausência de gradação na lei, já que faz com que um beijo em uma pessoa menor de 14 (quatorze) anos, ainda que de forma consentida, seja submetido à mesma pena daquele que mantém conjunção carnal forçada, que se mostra, na teoria, o mais grave do conceito de estupro.

Hipóteses que na prática levam a divagar acerca da Justiça buscada com o Direito, não se quer com isso dizer, que não se deve preservar e proteger a infância e a adolescência, diante das violações aos direitos destes, no entanto, a situação criada pela legislação pátria provoca graves distorções diante do bem jurídico tutelado, e convém pontuar que o Direito Penal tutela o segundo maior bem jurídico do indivíduo, qual seja a liberdade.

É certo que por vezes o legislador, diante de certa realidade, age movido mais pela emoção do que a razão, esquecendo-se da técnica jurídica, e buscando dar resposta à sociedade com sede de punir mais rigorosa do que seria em momento de maior tranquilidade social.

Certo também que, a ausência de proteção penal em desfavor da iniciação precoce da atividade sexual a que a vítima é submetido por um adulto, pode acarretar riscos imprevisíveis ao desenvolvimento da personalidade, até porque não se tem como dimensionar as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes do um ‘consentimento’ de um menor de 14 (quatorze) anos de idade, que não tem, em tese, capacidade livre para decisão.

No entanto, no presente caso, do acervo probatório contido nos autos percebe-se ter ocorrido o consentimento da menor em ambas as relações, sendo que, para a primeira facilmente se conclui pelo erro de tipo, a implicar na absolvição do acusado, conforme já fundamentado neste voto.

Diga-se não se avistar dos autos qualquer informação acerca de possível constrangimento ou trauma sofrido pela menor, por ter esta praticado ato sexual, ao contrário, pelas fotografias anexadas aos autos, depreende-se que a vítima leva uma vida dentro da sua normalidade, e de acordo com comportamento típico dos jovens, não havendo em seu depoimento qualquer alusão a supostos traumas decorrentes da relação.

Em que pese a vítima contar com 13 (treze) anos de idade à época dos fatos, o comportamento do réu não pode implicar em uma condenação, pois além de haver fundadas dúvidas quanto ao momento em que tomou  conhecimento sobre a idade da ofendida, vislumbra-se ainda que o comportamento do réu, nesse caso específico, não pode ser considerado como crime, mormente quando não haveria que se falar em lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, a liberdade sexual da vítima, já que esta, apesar de contar com 13 (treze) anos de idade, demonstrou um amadurecimento precoce, e mesmo com a tenra idade possuía plenas condições de avaliar as consequências do ato.

Ressalte-se não haver robustez no depoimento prestado pela menor, no que diz respeito ao momento em que o réu teria tomado conhecimento da idade, uma vez que, no depoimento por ela prestado em sede policial há a informação de que o réu sabia da idade, sem apontar o momento exato da ciência, no entanto, em juízo explicitou que o réu só ficou sabendo da sua idade antes da segunda relação sexual.

Não se olvida que a palavra da vítima ganha especial relevância nesse tipo de crime, no entanto, o réu foi categórico em afirmar que a ciência da idade apenas ocorreu quando da denúncia no Conselho Tutelar.

Não é por demais ressaltar o princípio fundamental em Direito Penal do in dubio pro reo, a indicar pela interpretação favorável ao réu, em caso de dúvida nos autos, isso porque, a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão punitiva estatal.

No caso específico dos autos, a pena imposta ao acusado traria consequências desastrosas, não apenas para o réu, mas para todo o seio familiar, porquanto uma condenação em 16 (dezesseis) anos de reclusão, em regime fechado, implicaria em impor restrições ao condenado das mais variadas ordens, especialmente em relação ao seu labor, já que a imputação de um crime causa dificuldades para conseguir empregos, realizar concursos públicos, dentre tantas outras, maculando assim a honra do indivíduo, com plena força laboral, e por consequência, abalo financeiro para o sustento de sua prole.

Por seu turno, não se pode concluir, em relação à vítima que o relacionamento com o réu tenha lhe causado trauma psicológico, como já dito, e tampouco implicou em consequências emocionais danosas a sua honra, mormente porque esta não demostrou nutrir sentimentos negativos em face do réu, e sequer se nota abalo emocional em sua fala, como se pode extrair de seu depoimento e dos prints da tela do celular do réu, fls. 150, que trazem as conversas travadas entre ambos.

Abro um parênteses, para afirmar que não se trata aqui de julgar a vítima por seu comportamento ou atitude, longe disso! Trata aqui de reconhecer, não apenas a existência de dúvidas fundadas em relação ao momento da ciência acerca da idade da menor, mas que o rigor da lei, em relação ao crime de estupro de vulnerável provoca profundas distorções, distanciando-se das realidades vivenciadas em todo território nacional, e que, somente através de uma interpretação jurisprudencial será possível buscar uma prestação jurisdicional justa e eficiente.

Na hipótese dos autos, verifico uma desproporcional interferência Estatal ao se imiscuir de forma demasiada na vida íntima das pessoas e das famílias, pois, em casos que tais, a saber: relação sexual plenamente consentida; menor com plena capacidade de discernimento, e dúvida quanto a verdadeira idade da menor, não se pode concluir, verdadeiramente, que está em jogo a dignidade sexual e a proteção à vulnerabilidade.

Entendo que, em razão da evolução dos costumes, da cultura, dos valores morais da sociedade, não se pode tratar de forma generalizada a presunção absoluta de vulnerabilidade, porquanto hoje, os adolescentes já têm acesso as informações sobre sexo, inclusive, através de aulas ministradas nas escolas, e por meio da internet, de modo que, a intervenção estatal, em casos como o dos autos, não se justificaria, mormente quando não há comprovação da existência de uma lesão ou perigo ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora.

 

Prossegue a decisão:

(…) Importante ainda destacar que, em que pese a legislação penal determinar como idade limítrofe 14 (quatorze) anos para fins de conceituação do vulnerável, vislumbra-se não ter a norma acompanhado à evolução dos comportamentos da sociedade atual, especialmente naquilo que se refere à sexualidade dos jovens.

Não se pode turvar a visão, de modo a permitir que o Direito Penal se afaste por completo da vida real, e se mantenha dissociado da constante evolução dos comportamentos da vida moderna, especialmente no caso em que, não se está diante da figura da vulnerabilidade, mas uma aquiescência da vítima, que na sua adolescência, de forma consciente se permitiu vivenciar a experiência sexual, o que deixa transparecer um contexto legítimo do ato.

Valho-me ainda das palavras do Doutrinador Luiz Flávio Gomes, que assim se expressou:

“Não há dúvida que nosso discurso civilizatório vai no sentido de que é um absurdo manter relações sexuais com adolescentes de 12 anos. O turismo sexual é abominável. Temos que proteger eficazmente as crianças e os adolescentes. Mas entre um ato imoral e um crime há uma distância muito grande. Condenar quem faz isso do ponto de vista moral nos parece correto. Imaginar ou pressionar os juízes para que condenem todo mundo, inclusive quando não há crime nenhum, é um exagero . E é de exagero vingativo que vive o populismo penal, seja midiático, seja político, seja judicial ou penitenciário. (…).”

 

Assim, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a aplicabilidade, de modo absoluto do artigo 217-A, do Código Penal, consistiria em um impasse entre a norma e a realidade, cabendo ao Julgador sopesar as situações quando da aplicação da norma ao fato, com base na liberdade do exercício de suas funções, de modo a equilibrar a gravidade concreta da conduta com a sua relevância social.

Pontuo ainda a existência de correntes jurídicas  favoráveis a uma interpretação sistemática do artigo 217-A do Código Penal com o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que este último prevê a aplicação de medida sócio educativa para o adolescente entre 12 (doze) e 14 (quatorze) anos. As referidas correntes entendem por inconcebível a possibilidade de reconhecer a prática de ato infracional contra o adolescente, com a consequente aplicação de medida sócio educativa, no entanto, para este mesmo adolescente não se reconhece a maturidade para manter relação sexual. Ou seja, haveria uma zona cinzenta entre as legislações, a permitir aplicação de medida sócio educativa em desfavor do adolescente, e ao mesmo tempo impedir a liberdade sexual.

 

Por fim, importante registrar que a condenação do réu, um adulto com plena capacidade laboral, se traduz em uma inteira subversão do direito penal, com afronta a princípios fundamentais, indo na contramão da justiça, e com violação ao princípio da dignidade humana, e ao meu ver, no caso específico dos autos, deve prevalecer à justiça em detrimento à fria aplicação da lei penal.

Ademais, a manutenção da sentença condenatória, com pena definitiva de 16 (dezesseis) anos de reclusão, em regime fechado, implicaria também para o réu sua completa exclusão do mercado de trabalho, porquanto ao término da pena, teria atingido uma idade a qual importa em dificuldade para o retorno à atividade laboral.

Dentro desse contexto, e dada a particularidade dos autos, entendo que o provimento do apelo é medida que se impõe, reformando a sentença para absolver o réu das imputações contidas na denúncia, a teor do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.