Introdução
A promulgação da Lei nº 15.123, de 24 de abril de 2025, representa um avanço significativo no ordenamento jurídico brasileiro ao abordar a crescente preocupação com o uso indevido de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA), na perpetração de crimes. A referida lei altera o artigo 147-B do Código Penal, estabelecendo uma causa de aumento de pena para o crime de violência psicológica contra a mulher quando cometido mediante o uso de IA ou de qualquer recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima.
Contextualização Legal
O artigo 147-B do Código Penal, introduzido pela Lei nº 14.188/2021, tipificou a violência psicológica contra a mulher como crime, reconhecendo a gravidade desse tipo de violência no contexto das relações de gênero. Com a evolução tecnológica e o surgimento de ferramentas capazes de manipular imagens e sons, tornou-se necessário atualizar a legislação para contemplar essas novas formas de agressão.
A Lei nº 15.123/2025, portanto, acrescenta um parágrafo único ao artigo 147-B, prevendo que a pena será aumentada de metade se o crime for cometido mediante o uso de IA ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima. Essa alteração visa coibir práticas como a criação e disseminação de deepfakes, que podem ser utilizadas para humilhar, intimidar ou controlar mulheres, configurando uma forma moderna de violência psicológica.
Dosimetria da Pena
A dosimetria da pena no ordenamento jurídico brasileiro segue o sistema trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. Na terceira fase, são aplicadas as causas de aumento e de diminuição da pena. A causa de aumento introduzida pela Lei nº 15.123/2025 incide nessa terceira fase, aumentando a pena em 50% quando o crime for cometido com o uso de IA ou de qualquer recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima.
A aplicação dessa causa de aumento deve observar o critério sucessivo, também conhecido como efeito cascata, conforme entendimento majoritário da jurisprudência e da doutrina. Nesse critério, as causas de aumento e de diminuição incidem sucessivamente sobre o resultado da operação anterior, evitando a compensação entre elas. Esse entendimento é reforçado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que destaca a necessidade de aplicação sucessiva das causas de aumento e de diminuição de pena na terceira fase da dosimetria.
Jurisprudência e Entendimento dos Tribunais
Embora a jurisprudência brasileira sobre o uso de deepfakes ainda esteja em desenvolvimento, já existem decisões que reconhecem a gravidade dessa prática. Por exemplo, em 2024, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o uso de IA para criar e propagar conteúdos falsos nas eleições, incluindo deepfakes, estabelecendo a obrigatoriedade de aviso sobre o uso de IA em conteúdos divulgados.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou, em outubro de 2024, o “Guia Ilustrado Contra as Deepfakes”, com o objetivo de informar e orientar a população sobre os riscos e as formas de identificação dessas manipulações.
Desafios e Perspectivas
A criminalização do uso de IA para a prática de violência psicológica contra a mulher é um passo importante, mas não suficiente. É necessário que o sistema de justiça esteja preparado para lidar com as especificidades desses casos, incluindo a capacitação de profissionais para identificar e analisar provas digitais, bem como a atualização constante das normas processuais para contemplar as particularidades das tecnologias emergentes.
Além disso, é fundamental promover campanhas de conscientização sobre os riscos associados ao uso indevido de tecnologias e fortalecer as políticas públicas de proteção às mulheres, garantindo que elas tenham acesso a mecanismos eficazes de denúncia e apoio.
Conclusão
A Lei nº 15.123/2025 representa um avanço significativo na proteção das mulheres contra formas modernas de violência psicológica, reconhecendo o impacto devastador que o uso indevido de tecnologias como a IA pode ter na vida das vítimas. No entanto, é imprescindível que essa legislação seja acompanhada de medidas concretas para sua efetiva implementação, incluindo a capacitação dos operadores do direito, o fortalecimento das instituições de apoio às mulheres e a promoção de uma cultura de respeito e igualdade de gênero.
A sociedade brasileira enfrenta o desafio de equilibrar os benefícios das inovações tecnológicas com a necessidade de proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, especialmente das mulheres, que historicamente têm sido vítimas de diversas formas de violência. A resposta a esse desafio exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo não apenas o direito, mas também a educação, a tecnologia e as políticas públicas.
Assim, a Lei nº 15.123/2025 deve ser vista como um marco na luta contra a violência de gênero, mas também como um convite à reflexão e à ação conjunta de toda a sociedade para construir um ambiente digital mais seguro e justo para todos.