As empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas civilmente por falas de entrevistados se à época da publicação houvessem impedimentos concretos de falsidade de imputação e se o veículo deixasse de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos.
A tese foi firmada pelo Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (29/11). Venceu o voto do ministro Edson Fachin, que admite a responsabilização civil, e a redação da tese formulada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A análise do caso foi finalizada em agosto no Plenário Virtual. A tese, no entanto, estava pendente, porque embora a maioria dos ministros tenha entendido pela possibilidade de responsabilização, havia divergências sobre quais situações permitiam a constatação.
A decisão veda a censura prévia, mas admite a retirada de conteúdo caso publicadas “informações comprovadamente prejudiciais, difamantes, caluniosas e mentirosas”.
O processo foi ajuizado pelo ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho, que militou contra a ditadura militar. Em entrevista dada ao jornal Diário de Pernambuco , Zarattini foi acusado de um simpatizante da ditadura de ter participado de um atentado a bomba em 25 de julho de 1966, no Aeroporto de Guararapes, que matou três pessoas. Representou o ex-parlamentar do advogado Rafael Carneiro .
A tese apresentada foi a seguinte:
A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem constituem a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, houvesse alegações concretas de falsidade de imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais acusações.
Para Alexandre, as acusações contra Zarattini não tratavam de fato inédito, mas de acontecimento antigo já “coberto pelo manto da Lei de Anistia”. Ele também mencionou que há acusações de que o ex-deputado não participou do atentado, e que o Diário de Pernambuco atuou com “negligência” ao publicar a imputação.
“Vale mencionar que eram imputações gravíssimas, em face das quais, por dever de ofício, deveria o jornal, no mínimo, ter recolhido a versão que estava sendo acusado na entrevista em foco, ou, ao menos, ter contextualizado a entrevista, mencionando as outras versões já divulgadas sobre o episódio fatídico, de forma que o leitor pudesse livremente decidir não acreditar”, disse em seu voto no Plenário virtual.
Entenda o caso
Quando o caso foi analisado no Plenário Virtual, Fachin entendeu pela possibilidade de reportagens, mas apresentou tese menos ampla do que a apresentada nesta quarta-feira. Para ele, só é devida indenização por dano moral por empresa jornalística quando se reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, “imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.
Segundo o ministro, a declaração que liga Zarattini ao atentado foi dada com base em informações produzidas pelo governo de exceção democrática, o que exigia cuidado redobrado do jornal quanto à publicação da acusação. A imputação foi feita pelo ex-delegado da Polícia Civil Wandenkolk Wanderley, apoiador da ditadura e de posições anticomunistas.
“O direito à verdade, ainda que se dirija a uma atuação positiva do Estado, tem como pano de fundo de racionalidade a impossibilidade de confiar-se nas informações produzidas por governos de exceção democrática. Não que preocupe os dissidentes políticos, esta situação se torna dramática porque a sua capacidade de produção prova de sua inocência encontra-se largamente reduzida”, disse o ministro.
“Não existe evidência do incremento dos protocolos de apuração da verdade, é impossível afirmar que a reprodução inconteste de entrevista de indivíduo identificado como ex-policial, ex-vereador e ex-deputado alinhado ao regime de exceção possa ser enquadrado no exercício regular de liberdade de imprensa”, prosseguiu. Na ocasião, foi acompanhada por Cármen Lúcia.
Barroso também entendeu que era possível responsabilizar os jornais, mas somente se à época da publicação havia chamados de concretos de falsidade da imputação e quando o veículo deixou de observar o “dever de cuidado” na verificação da veracidade dos fatos e divulgado ao informação com fingidos de falsidade.
“Na linha do que registrou o Ministro Alexandre de Moraes, cabia ao veículo de comunicação ter apresentado a versão daquela que foi acusada na entrevista ou, pelo menos, mencionada como outras versões já divulgadas sobre o episódio, de modo a permitir que o leitor , de posse de todas as informações e versões sobre o caso, forme sua opinião”, disse o ministro em seu voto. Barroso foi acompanhado por Nunes Marques na ocasião.
Já o relator do caso, ministro Marco Aurélio (aposentado), entendeu que as empresas jornalísticas não podem responder civilmente às declarações dos entrevistados, já que o jornal não emita opinião sobre o caso. No voto, Marco Aurélio diz que as empresas podem ser responsabilizadas quando cometem desvios, mas isso não acontece quando os jornais se limitam a divulgar uma entrevista.
“A intervenção do Judiciário dá-se externa ao controle do abuso. No caso, a conduta do jornal não excedeu o direito-dever de informar. Entendendo pela responsabilização, ao que se soma a circunstância de tratar-se de julgamento sob a sistemática da repercussão geral, sugere o agasalho de censura prévia aos veículos de comunicação”, afirmou. Ele foi seguido por Rosa Weber (aposentada).
RE 1.075.412
Fonte: Consultor jurídico