A CÂMARA CRIMINAL DO TJSE, relatoria da Juíza convocada Dra. SIMONE DE OLIVEIRA FRAGA, por unanimidade, em sede de revisão criminal, reformou decisão transitada em Julgado para estender efeitos de sentença, reconhecer continuidade delitiva e minorar significativamente a pena do apenado.
Segue recorte da decisão :
(…) pleitearam a revisão da dosimetria da pena, sob o argumento de que restou comprovada a continuidade delitiva do artigo 71 do Código Penal no caso concreto.
Nesse ponto, entendo que a insurreição dos Apelantes merece prosperar. Explico as razões do meu convencimento.
O art. 71 do Código Penal, assim dispõe:
“Crime continuado
Art. 71 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (…).”
Para caracterização do crime continuado, mister a presença dos seguintes requisitos: 1) que os crimes cometidos sejam da mesma espécie; 2) que os crimes tenham sido cometidos pelas mesmas condições de tempo; 3) que os crimes tenham sido cometidos com identidade de lugar; 4) que os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo modo de execução; e 5) que os crimes subsequentes sejam tidos como continuação do primeiro.
A Magistrada sentenciante aplicou o concurso material entre os dois crimes de roubo e o crime de organização criminosa, somando as penas cominadas aos delitos.
In casu, os Réus praticaram dois crimes de roubo aos caixas eletrônicos do Banco do Brasil e do Banco do Estado de Sergipe, em condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes. Após uma explosão, subtraíram valores em dinheiro, fugindo, em seguida, no veículo marca Toyota Hilux por uma estrada vicinal pela cidade de Indiaroba/SE com destino a Conde/BA, local onde queimaram o veículo, conforme imagem de fls. 42 dos autos.
Destarte, como bem pontuou o Procurador de Justiça: “Como é sabido, consoante o artigo 71 do Código Penal, a continuidade delitiva resta configurada quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, em condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes, criando-se, mesmo que de forma fictícia, a idéia de que os subsequentes são uma continuação do primeiro.
No caso, há o registro de uma pluralidade de condutas comissivas, resultantes no cometimento de dois crimes tipificados no mesmo dispositivo legal, praticados quase que simultaneamente em razão da proximidade dos estabelecimentos bancários vitimados e ostentando ainda semelhança na maneira de execução.
Sendo assim, constatada a existência concomitante dos requisitos legais para o reconhecimento do crime continuado, verificamos que os crimes guardam entre si um elo de continuidade dirigido a uma unidade de desígnio. Dito isto, a insurgência merece acolhimento. (…)”
Nesse diapasão, forçoso o reconhecimento da continuidade delitiva, sendo imperiosa a reforma da dosimetria da pena, para aplicar aos Réus a pena de um só dos crimes de roubo, posto que idênticas, aumentando-a de um sexto a dois terços.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema encontra-se consolidado, ou seja, tratando-se de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 (um sexto) pela prática de 02 (dois) delitos; 1/5 (um quinto), para 03 (três) infrações; 1/4 (um quarto) para 04 crimes; 1/3 (um terço) para 05 infrações; 1/2 (um meio) para 06 delitos e 2/3 (dois terços) para 07 (sete) ou mais infrações. Veja- se:
DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO ATIVA. LAVAGEM DE ATIVOS. OMISSÃO DO ACÓRDÃO APELATÓRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ADOÇÃO DE CRITÉRIOS SUFRAGADOS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ILEGALIDADE. NÃO INEXISTÊNCIA. CRIME CONTINUADO. CRITÉRIOS LEGAIS. PENA PECUNIÁRIA. NÚMERO DE DIAS-MULTA E VALOR UNITÁRIO. PROPORCIONALIDADE. ATENDIMENTO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. DETRAÇÃO PENAL. VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO. NORMA DE CARÁTER HÍBRIDO. APLICAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. OVERRULING JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(…)
IX – No que diz respeito à continuidade simples, “a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a fração referente à continuidade delitiva deve ser firmada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando- se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5 para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações” (AgRg no AREsp n. 1.377.172/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 24.10.2019).
(…).
Agravo Regimental conhecido e parcialmente provido. (AgRg no REsp 1792710/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15.09.2020, DJe 23.09.2020).
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CONSIDERAÇÃO DE ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. EXASPERAÇÃO PROPORCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Art. 71, parágrafo único, do CP. Estabelecido o espectro de exasperação entre 1/6 (um sexto) e o triplo, infere-se da norma que a fração de aumento da continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, é determinada pela combinação de elementos objetivos – quantidade de crimes dolosos praticados contra vítimas diferentes, com violência ou grave ameaça à pessoa – e subjetivos, consistentes na análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos e das circunstâncias do crime. Precedentes (…).
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1768663/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04.04.2019, DJe 09.04.2019).
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA ENTRE DOIS CRIMES DE ROUBO. ESPECTRO DE EXASPERAÇÃO ENTRE 1/6 E O TRIPLO. FIXAÇÃO DO QUANTUM. CRITÉRIOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE FRAÇÃO SUPERIOR ÀQUELA DETERMINADA PELO NÚMERO DE INFRAÇÕES. DESPROPORCIONALIDADE NA EXASPERAÇÃO PROMOVIDA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(…)
2. A individualização da pena é uma atividade vinculada a parâmetros abstratamente cominados pela lei, sendo permitido ao julgador, entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Dessarte, ressalvadas as hipóteses de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade, é inadmissível às Cortes Superiores a revisão dos critérios adotados na dosimetria da pena.
3. A lei somente estipula a exasperação máxima da continuidade delitiva específica (até o triplo), não apontando a fração mínima aplicável. Contudo, em sintonia com o caput do art. 71 do Código Penal, impõe-se a utilização do parâmetro mínimo de 1/6, sob pena da continuidade delitiva específica tornar-se inútil, por ser substituída pelo concurso material, cujo critério do cúmulo material é o teto da exasperação da continuidade. Por conseguinte, na quase totalidade das vezes seria a exasperação descartada a adoção do critério do art. 69 do Código Penal.
4. Estabelecido o espectro de exasperação entre 1/6 (um sexto) e o triplo, infere-se da norma que a fração de aumento da continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, é determinada pela combinação de elementos objetivos – quantidade de crimes dolosos praticados contra vítimas diferentes, com violência ou grave ameaça à pessoa – e subjetivos, consistentes na análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos e das circunstâncias do crime.
5. No caso, considerando a prática de três crimes de estupro, a valoração positiva das circunstâncias judiciais na pena-base, a exasperação no dobro mostra-se desproporcional, porquanto, em se tratando de crime continuado específico, não havendo circunstâncias desabonadoras, componentes do critério subjetivo de valoração, deve prevalecer unicamente o número de infrações cometidas em continuidade. Outrossim, não é devido ao juízo da execução revalorar as circunstâncias do crime (e-STJ, fl. 158), como ocorreu no presente caso, para considerar desabonadora a culpabilidade, na hipótese em que tal circunstância assim não foi considerada na ação de conhecimento. Nesse diapasão, de rigor a aplicação da fração de aumento de 1/5 ao crime de maior pena (9 anos), o que resulta na pena final de 10 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para fixar a pena definitiva 10 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, relativa aos três crimes de estupro, contra as três vítimas. (HC 440.465/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 24.05.2018, DJe 30.05.2018).
Então, evidenciando que os Acusados/apelantes, mediante mais de uma ação, praticaram crimes da mesma espécie (roubo qualificado), contra vítimas diferentes (Banco do Brasil e Banco do Estado de Sergipe), em concurso de agentes, impõe-se a incidência da regra disposta no artigo 71, caput, do Código Penal, com aplicação da majorante no patamar de 1/6 (um sexto), como já relatado alhures.
Portanto, ante o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de roubo e, ainda, tendo em vista a identidade de penalidades de 09(nove) anos e 02(dois) meses de reclusão, e 20(vinte) dias-multa, para cada um dos dois crimes de roubo, a majoração desta em 1/6(um sexto) implica um aumento de 01(um) ano e 06(seis) meses, restando fixada em 10(dez) anos e 08(oito) meses de reclusão, o que a torno definitiva para ambos os Réus. […]
Sobreleva mencionar que a extensão é regulamentada pelo artigo 580 do Código de Processo Penal, que proíbe decisões conflitantes relativas a diferentes acusados em um mesmo feito, mas essa norma prevê como exceção a decisão fundamentada em circunstância de caráter exclusivamente pessoal.
No caso sub judice, o instituto da continuidade delitiva refere-se ao fato e não ao autor, razão pela qual deve ser reconhecida e aplicada em relação ao requerente.
Assim, considerando que o requerente se encontra na mesma situação jurídico- processual dos corréus José Edinez de Farias Barros e Bruno Farias Santos, entendo que igual tratamento a ele deve ser conferido.
Desta forma, acolho o pleito de aplicação da continuidade delitiva quanto ao crime de roubo, e, por conseguinte, procedo a nova dosimetria da reprimenda do requerente.
Considerando o concurso material existente entre os crimes de roubo, em continuidade delitiva e de organização criminosa, constantes na sentença, passo ao somatório das penas dos delitos a que o requerente foi condenado:
Roubos qualificados – 10 anos 08 meses 20 dias-multa Organização Criminosa – 05 anos 05 meses 07 dias 16 dias-multa Total da pena – 16 anos; 01 (um) mês e 07 dias e 36 dias-multa.
Mantenho o regime inicial fechado de cumprimento de pena, considerando que o quantum da sanção imposta foi superior a 08 (oito) anos, com fulcro no art. 33, §2o, “a”, do Estatuto Repressivo
Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO REVISIONAL para estender os efeitos da decisão, prolatada na Apelação Criminal (…), ao requerente, nos termos 580, do CPP e, por consequência, aplicar a fração de 1/6 (um sexto), em razão da continuidade delitiva, em relação aos crimes de roubos qualificado, redimensionando a pena definitiva do réu Samuel Teles de Araújo para 16 (dezesseis) anos; 01 (um) mês e 07 (sete) dias, a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado, além de 36 (trinta e seis) dias-multa. (…)
Informações do TJSE – Processo n. 202300318434