TJ-SP aplica regra da tentativa para abrandar rigidez do estupro de vulnerável

Na busca de uma punição proporcional à conduta de um homem condenado por estupro de vulnerável contra a enteada e diante da ausência de uma alternativa nesse sentido no tipo do artigo 217-A do Código Penal, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo criou uma interpretação para chegar à solução que considera mais adequada ao caso: aplicar a regra dos crimes tentados (artigo 14, inciso II, do CP).

“A aplicação do Direito Penal deve se pautar pela lógica do equilíbrio entre a necessidade, a um lado, de aplicação da lei em substituição à vingança privada, e a garantia, a outro, de que dessa aplicação o réu não receba punição tão grave quanto mais grave tivesse sido a falta cometida”, sustentou o desembargador relator Xisto Albarelli Rangel Neto, cujo voto foi seguido pelos desembargadores Augusto de Siqueira e Moreira da Silva.

Com essa ponderação, o colegiado deu provimento parcial ao recurso de apelação do réu. Condenado em primeira instância a 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, o apelante teve a pena reduzida em dois terços, “considerando que as condutas foram passadas de mão na ofendida”. Com o redimensionamento, a reprimenda despencou para quatro anos e oito meses, sendo fixado o regime semiaberto.

Conforme o artigo 14, inciso II, parágrafo único, do CP, “pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. A 13ª Câmara de Direito Criminal aplicou o maior percentual de redução sob a justificativa de que ele se revela “mais proporcional” com as condutas efetivamente imputadas ao recorrente e comprovadas nos autos.

Desclassificação vedada
Xisto Rangel construiu o seu raciocínio a partir da verificação de que o abuso à enteada, menor de 14 anos, “não ultrapassou contatos superficiais, ou seja, não foram de grau a justificar imputação de estupro ou de ato libidinoso a ele equiparável — do artigo 217-A (estupro de vulnerável), do Código Penal”. Desse modo, o relator considerou que seria o caso de desclassificação para o delito do artigo 215-A do CP (importunação sexual).

“Se há para os crimes contra a liberdade sexual dos não vulneráveis duas categorias de ato libidinoso (uma mais grave e próxima da conjunção carnal, tipificada nos artigos 213 e 215; e outra menos grave e mais distante da conjunção carnal, tipificada no artigo 215- A), não há razão para não aplicar para crimes sexuais de idêntica configuração contra vulneráveis igual distinção”, observou Xisto.

Ainda conforme o julgador, o tipo do artigo 215-A não faz referência à idade da vítima ou a qualquer outra circunstância que implique em sua vulnerabilidade, porque ele é um delito “intermediário”, cuja preocupação foi a de abarcar “condutas menos invasivas, mais leves”. Porém, o relator apontou a impossibilidade de se desclassificar o crime em razão do Tema 1.121, aprovado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 8 de junho de 2022.

Com força vinculante, o tema do enunciado é o seguinte: “presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)”.

Diante da impossibilidade de desclassificação, o relator anotou que a aplicação da regra da tentativa não desobedece a orientação do STJ e atende ao princípio da proporcionalidade na individualização das penas, sem precisar criar regra nova, tarefa cabível ao parlamento. “Logo, aqui será adotada tal interpretação, a ensejar a redução da reprimenda quando da dosimetria.”

Na fundamentação de seu raciocínio, Xisto Rangel acrescentou que “cabe ao legislador elaborar a lei, assim como ao juiz aplicá-la; o que deve fazer, contudo, mediante interpretação que a permita atender aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum, valores umbilicalmente ligados à busca de equilíbrio entre a suficiente proteção ao bem jurídico de um lado, e a vedação da punição em excesso de outro”.

Apelação criminal 1500193-25.2020.8.26.0103