Aplicação indevida de verbas públicas por prefeito: transferência para conta centralizada municipal e ausência de proveito próprio

A Primeira Turma, por maioria, julgou procedente ação penal instaurada contra deputado federal para condená-lo às penas cominadas no inciso III do art. 1º do Decreto-Lei (DL) 201/1967 (1).

O parlamentar, no exercício do mandato de prefeito, aplicou indevidamente verbas públicas federais oriundas do Fundo Nacional de Saúde (FNS) destinadas ao programa nacional de combate a doença epidêmica para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde com o instituto municipal de previdência.

Inicialmente, o colegiado, por maioria, afastou a preliminar de incompetência do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque, embora os fatos apurados na presente ação penal sejam estranhos ao mandato parlamentar, o procedimento já havia alcançado e superado a fase de alegações finais, situação processual que se enquadra em uma das hipóteses de prorrogação da competência da Corte.

Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio, que acolheu a preliminar. Para ele, incide a incompetência por inexistir ligação entre o exercício do mandato do parlamentar e o crime praticado por ele quando prefeito. Está-se diante de competência funcional, absoluta.

Quanto ao mérito, a Turma entendeu que a conduta narrada na denúncia se amolda, com precisão, ao tipo previsto no inciso III do art. 1º do DL 201/1967. Considerou que os elementos probatórios produzidos na instrução processual demonstram que o réu, com plena consciência da ilicitude dos seus atos, atuou na forma descrita na peça acusatória, ausentes as causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

Afirmou que o crime previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio, sendo irrelevante a verificação de efetivo prejuízo para a Administração.

Esclareceu que, no caso, havia uma conta específica para a utilização dessa verba federal, da qual foram transferidos valores para uma conta única do Fundo Municipal de Saúde. Desta última, saíram os recursos destinados ao cumprimento de uma ordem de pagamento em favor do instituto municipal de previdência. Asseverou que nenhuma razão, salvo a tredestinação, justificaria a transferência do dinheiro dessa conta específica para uma conta única geral. Portanto, a mera transferência para a conta geral já seria indício grave do desvio.

Reputou ser evidente o conhecimento do fato pelo ex-prefeito, que assinou a ordem de pagamento para a transferência, a demonstrar domínio do fato e o poder de gestão dos recursos efetivamente empregados em finalidade diversa da estabelecida por lei. Observou que, na véspera da referida transferência, houve uma reunião com os corréus na qual foi decidida a destinação das verbas. Ressalte-se que um deles até mesmo declarou que o parlamentar sabia da operação ilegal descrita na denúncia. Ademais, no mesmo dia da citada reunião, foi enviado ofício do Gabinete da Secretaria Municipal de Saúde, que fez remissão à “determinação superior” e encaminhou à Secretaria Municipal de Finanças a relação das contas referentes às transferências “fundo a fundo”, para que fosse processada a imediata centralização dessas contas em uma única conta.

Vencidos os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes (revisor), que julgaram improcedente a ação penal para absolver o parlamentar, por considerarem não comprovadas a materialidade e a autoria delitivas.

(1) DL 201/1967: “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…) III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;”

AP 984/AP, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 11.6.2019. (AP-984)

Fonte: STF